Romeu Waier deu vida ao rei sanguinario e cruel Herodes Antipas, na Paixão de Cristo de 2022. Um produto cultural do Grupo Teatral Maschara. Em sua composição temos Eliani Alessio interpretando Herodias e Laura Hoover como Salomé, além de suas dançarinas. Confesso que me senti honrado em dividir o palco com grandes atuações ao meu lado. Seja por parte dos velhos entre eles Caifas ( Fabio Novello) e Anas ( Stalin Cioti) ou seja por parte de minhas consortes.
Ensaio- Eliani Alessio e Romeu Waier
Construção de Herodes Antipas
Estamos na quarta edição da Paixão de Cristo do Grupo Teatral Maschara, atras de mim temos três versões do mesmo personagem. No primeiro ano a construção de Fabio Novello, no segundo ano de Stalin Cioti e o terceiro ano de Vagner Nardes. Todos Herodes com propostas diferentes em construções diferentes, mas se tratando do mesmo personagem.
”Para mim são esferas diferentes da mesma criatura”
Romeu Waier no ultimo ensaio da Paixão de Cristo
Infelizmente presenciei apenas a construção de Vagner Nardes, a qual gostei muito, e desde essa época, em 2018 já me animei a querer interpretar esse rei tirano.
Quando fui convidado a dar vida a esse personagem levei em consideração todas essas versões anteriores e tentei me afastar ao máximo de qualquer semelhança delas. No ano de 2019 quando iniciamos o processo dos ensaios o Herodes em seu estado embrionário era apenas um homem louco, no qual dei nascimento ao resquício de uma voz e ritmo em cena, uma insinuação de um bebe fanfarrão, que ainda não estava pronto para nascer. Minha maturidade cênica da época ainda não estava pronta para dar vida a totalidade desse personagem como eu imaginei, e se não fosse pela pandemia ele teria ido aos palcos dessa forma, incompleta ao meu ver.
Eliani Alessio ( Herodias) e Romeu Waier ( Herodes) em apresentação em Cruz Alta
Mas devido a pandemia do Covid 19 o espetaculo teve de ser adiado, e após dois anos depois, em 2021 retornamos aos ensaios. É incrivel como para mim a voz do Herodes foi oque surgiu primeiro, e consequentemente a primeira coisa que voltei a lembrar. Enquanto ensaiávamos, nos intervalos em minha casa, refletia oque poderia dar vida interior ao personagem, quais as referencias que ele queria se fazer preenchido, e qual parte do meu corpo ele mais queria usar. E em pouco tempo, graças a minha obstinação quase doentia, tive uma resposta. Ele surgira dos meus ombros, punhos e mãos, minhas articulações estavam prontas para ser a abertura desse cordão embriotico, mas antes disso, em um exercício cênico, aonde cada um interpretava um animal obtive um resposta. Interpretara um corvo, usando muito os ombros e as mãos como guarras, e nesse momento, percebi que dentro do Herodes vivia um corvo metamorfo que a cada apresentação se transformara, evoluindo a uma nova criatura, cada vez mais perto de uma gárgula.
Hoje em dia penso como que inconscientemente eu e minhas consortes Eliani Alessio e Laura Hoover acabamos por lembrar algum tipo de animal em cena, seja proposital ou não. No caso desse casal estranho Herodes e Herodias era nitidamente uma serpente e um corvo e consequentemente suas naturezas e instintos influenciavam suas relações. Por esse motivo por mais que a serpente fosse astuta, manipuladora, enérgica e brutal acima dela estava um pássaro selvagem que apesar de ser intimidador era um tolo vislumbrado pelo próprio poder de voar. Talvez isso tenha guiado muito das minhas intuições no contracenar com meus colegas, como por exemplo sempre procurar o espaço mais alto em cena, ou me colocar quase pousando nos ombros de Herodias. Lembro inclusive do primero ensaio da Paixão de Cristo, aonde fui colocado ao lado de Clara Devi em cima de um pufe branco, como pássaros selvagens.
Talvez meu maior mérito enquanto ator seja a memoria cênica
Dentro de toda essa filosofia rapina surgiu as partituras corporais e o contracenar.
Salomé ( Laura Hoover) e a cabeça de João Batista
Buto e Expressionismo Alemão
No ano de 2020 e 2021 acabei por adentrar dentro do Buto, uma dança que surge apartir da segunda guerra mundial que tem como raiz a dor, morte, sofrimento e desalento. Descobrindo o mundo pela primeira vez como um bebe recém nascido os movimentos corporais de seus dançarinos carregam essa imponência dentro de um contexto sanguinário. Assim a cada ensaio compondo Herodes Antipas acabei por perceber que meus movimentos se tornavam cada vez mais próximos, por mais que suaves, ao buto. Se de alguma forma o publico percebeu essa expressão corporal detalhista, foi por mérito do que guardei em meu inconsciente dessa técnica dolorosa.
Dentro da construção cenica acabei por lembrar do expressionismo alemão ao qual amo tanto assim como um personagem central vampiresco, Nosferatu. Emprestei do meu corpo para o nascimento dessa criatura parceladamende envolvida nos meus ossos e no espirito de Herodes Antipas. A algo irracional, assustador e tetrico nesse personagem que representa o lado mais negativo desse rei, que precisava trazer no meu corpo.
Entre esse processo todo acabei por decidir raspar a cabeça, e algumas pessoas da epoca poderiam ter pensado que foi por chamar atenção ou até pela inspiração no Nosferatu, mas não, na verdade essa decisão foi baseada nas imagens que mais me atraiaram da dança Buto, em conjunto com uma necessidade de sacrificio pessoal pelo Teatro. Que marca minha iniciação e transitoridade para membro futuro do Grupo Teatral Maschara.
Desenvolvi diferentes relações com os personagens da cena, algumas ficaram escondidas no meu silêncio, outras acabo por expôr como o relacionamento de poder e submissão entre soldado ( Marcel Sant’Anna) e o Herodes na cena final de espancamento de Jesus Cristo. A entrega de Marcel pelo seu personagem modificou a minha construção e me deu mais recursos. Seja pela sensação de ter corrompido a alma daquele soldado, seja por ele ser uma extensão da minha vontade, a uma relação secreta de corrupção espiritual entre esses dois personagens que pode passar despercebido pelo elenco ou pelo publico, mas para mim não.
Por hoje é isso.
Evoé
Commenti