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  • Foto do escritorRomeu Waier

Críticas do Conde | tomo 1- “Complexo de Electra” – Uma reflexão intrigante e ousada

Atualizado: 2 de jun. de 2023












Enquanto público assisti ao espetáculo“ Complexo de Electra” do Grupo Máschara, dirigido por Kléber Lorenzoni cinco vezes, presenciei sob uma ótica diferente cada apresentação, a medida que meu amadurecimento cenico desenvolvia. Acompanhei substituições e mudanças no produto cultural de forma geral. A proposta do grupo Máschara inicial de trazer esse espetáculo num ambiente não convencional, fora dos palcos e tridimensional a uma casa, é um grande ganho, sendo apresentado em uma casa a imersão do espaço ganha de forma substancial a atenção do público. Lembro-me de pensar que existem alguns impactos no espetáculo que funcionam justamente pela escolha do lugar a ser apresentado. Independentemente das escolhas, a sensação que sempre tive dessa montagem era um potencial de reconhecimento para o Grupo Máschara, ele faz parte de uma gama de espetáculos da cia que trazem uma proposta adulta, madura e clássica sem perder sua contemporaneidade. Analisando enquanto Produtor, o espetáculo pode sofrer alguns ataques, justamente pelo conflito de gerações de linguagens teatrais, mas que na minha concepção o grupo deve resistir de forma resiliente. Justamente porque o espetáculo em um todo é uma obra-prima que cria raízes nos arquétipos humanos que sempre serão eternos independentemente das ideologias politicas modernas. Ora o ser humano sem suas máscaras sociais por mais que politicas, sempre sera apenas um ser humano.


A peça mergulhou de forma "alérgica" em questões tabus e emocionalmente complexas, explorando a dinâmica de uma família em conflito e os segredos inquietantes que espreitam por trás de suas fachadas respeitáveis. Neste contexto, o espetaculo dirigido por Kléber Lorenzoni nos leva a questionar a hipocrisia no seio familiar, e ainda mais, A família conservadora, por sua vez, é apresentada como um microcosmo da sociedade em que vive. Suas estruturas rígidas e valores morais inflexíveis são colocados em xeque à medida que os segredos sombrios emergem. A peça nos faz refletir sobre até que ponto as aparências podem ser enganosas e como o desejo humano, quando reprimido, pode encontrar maneiras perturbadoras de se manifestar.


Deixo uma provocação a classe teatral contemporanea: Até aonde o politicamente correto nos permite mostrar o ser humano como ele realmente é? Se o palco é um espelho da vida, quem nós somos quando ninguem esta olhando?




Complexo em Capão

Eis que alguns anos depois o espetáculo da Cia recebe sua primeira apresentação em um palco convencional no Festival de Teatro de Capão da Canoa. No cenário vibrante tive o privilégio de estar presente como espectador e testemunhar a montagem “Complexo de Electra”, realizado pelo talentoso grupo Máschara. Enquanto assistia a essa peça intrigante, também tinha em mente uma avaliação dos jurados e da dinâmica do próprio festival.

“Complexo de Electra” baseado em um texto adaptado da trilogia perversa de Ivo Bender apresentou uma abordagem da famosa história mitológica, levando-a para os dilemas contemporâneos. A encenação explora as complexidades das relações familiares, a luta pelo poder e a busca pela identidade, utilizando recursos cênicos envolventes e desempenhos cativantes. Fiquei surpreso ao perceber que quando adaptado para o palco o espetáculo ganhou uma força maior, ainda que outros aspectos devem ser trabalhados para a grandiosidade que o palco exige. Uma construção de cenário, luz e som de muita qualidade, claro que existem alguns fatores cênicos que devem ser equalizados. Mas em um todo o espetáculo ganhou uma potência muito forte.

O grupo Máschara demonstrou uma compreensão profunda dos personagens e das dinâmicas psicológicas no jogo, entregando atuações intensas e convincentes. Os diálogos foram bem construídos, ainda que em alguns momentos a projeção de voz estivesse baixa ou a dicção comprometida de alguns atores. Apesar disso a criação de momentos de tensão e emoção palpáveis foram bem estabelecidas. Destaco aqui algumas cenas que estavam perfeitas. Cena inicial do Seminarista e Henrique, O conflito entre Ulrica e Ereda que sucedeu em um raio que deixou a casa inteira as escuras, realizado pela iluminação de Vitoria Ramos e Sonoplastia de Ellen Faccin, a cena de nudez de Alessandra Souza sob o tumulo de seu pai, a morte do pai de Ereda em conjunto com a sobreposição de cenas em primeiro plano e segundo plano, o encontro de Henrique segurando uma faca com Ulrica e Ereda na cena final.

Entre os pontos de melhoria do espetáculo acredito destacar algo que não foi mencionado pelos jurados ou pelo público, tentando contribuir sem parecer redundante. Quando assistimos a um espetáculo o nosso cérebro automaticamente começa a tentar criar sentido nas convenções que a Cia nos propõe, mas entre tantas interpretações existe sempre alguns pontos de extrema importância que o público entenda. Se fossemos de certa forma resumir uma estrutura teatral que estabeleceu sua convenção dramatúrgica seria destacado algo como: Herói, Antagonista, conflito, etc.

Mas enquanto publico sempre me questionava quem de fato era o antagonista e onde estava o conflito, assistindo tendia a sempre ficar do lado da Ulrica e acabava por antagonizar Ereda, por mais que a mesma tivesse motivos convincentes para seus atos. Assim a tragédia se estabeleceu como uma sensação que algo ruim poderia acontecer com Ulrica, fui analisando a reação do público junto comigo e cada vez mais nós juntos ficávamos agoniados com aquela mãe enlutada com uma psicopata complexa como Ereda, trancafiada em uma casa as escura com uma chuva torrencial lá fora. Enquanto publico queríamos sentir justamente esse conflito, medo e tensão das duas em casa. Oque me lembrou um pouco a mesma proposta de tensão que existe no filme“ Oque terá acontecido com Baby Jane?”.

Por tanto estabelecia-se o conflito para nós, uma filha revoltada, complexada e sociopata com sua mãe em casa, a sede de vingança vai crescendo nos prometendo algo grandioso e chocante ao final. A explicação dos fatos por Flashbacks soluciona perfeitamente a motivação de Ereda. Mas, a meu ver, oque poderia dar um contraponto ainda mais interessante é trabalhar o antagonismo de Ulrica no momento presente de uma forma mais intensa, corporal e menos textual.

Acontece que nós enquanto público somos preparados para uma tragédia que é prenunciada, e quando chega enfim ao seu momento ela não se estabelece. Uma analogia que posso usar é, assistimos à paixão de cristo sabendo que haverá uma crucificação, e por tanto a esperamos, e se no final a crucificação não acontecesse?

Acredito que isso acontece justamente porque a curva dramática da cena pode estar um pouco comprometida, justamente porque em alguns momentos não houve uma união harmoniosa entre atores, luz, som e cenário. Mas principalmente porque tivemos uma morte tão bem preparada cenicamente que fica difícil subir para outro lugar, a morte do pai, questiono a Cia, dramaturgicamente qual morte é mais importante? A do pai? Ou da Ulrica? Gostaria muito que a cena da morte de Ulrica conseguisse ser mais impactante que a da banheira, ou tão boa quanto.

Analisando enquanto publico algo que poderia contribuir muito para que o contexto cênico ajude na curva dramática é justamente a luz e o som. A ambientação de chuva e trovões quando solene e em um contexto sem conflito acaba por nos dar um relaxamento que no início da peça funciona muito. Mas ao decorrer do espetáculo conforme o conflito cresce essa chuva também poderia tornar-se mais agressiva, a luz mais incomoda (As sombras alternadas com pouca luz funciona muito, quando é iluminado de forma exagerada, ainda mais para o fim da peça faz com que o espetáculo perca a força trágica e nos lembre uma novela melodramática, que no meu ver se sucedeu bela luz equivocada em alguns momentos, e não pela interpretação dos atores) Por tanto a de se trabalhar e testar formas diferentes de usar a luz em seu estado umbral sem que os atores fiquem totalmente no escuro, mas também sem que a luz torne- dura. Por tanto para quem construiu e instalou o mapa de luz do espetáculo, essa seria sua maior preocupação, principalmente nas cenas de primeiro plano, que sucede ao momento presente.





Da mesma forma os espectros poderiam ter um teor cênico maior, não estou me referindo a figurino e maquiagem, mas sim ao espaço cênico e estético. Talvez aproveitando o contexto que a própria atmosfera dos textos que Ivo Bender nos propõe. O oraculo e o fantasma de Berto poderiam ter uma entrada mais apoteótica combinados com luz, som e cenário que nos convençam mais da sua importância e por tanto a expressividade de ambos poderia ficar na entonação vocal e expressão textual. Quando adaptado para uma casa, com o público tão perto da gente, não se precisa muito para o público entender a proposta.

Fiquei me perguntando o quanto também o espetáculo poderia quebrar essa quarta parede dentro do espaço cênico, por exemplo: A velha cega realmente vir de fora do teatro cruzando entre a plateia, etc. Algo que é muito trabalhado dentro dos espetáculos de rua do grupo. Na Paixão de Cristo de 2023 uma hora jesus está no palco e outra, surge no meio do público. Como essa carta na manga que o próprio grupo tem, poderia ser usado no espetáculo do complexo, num contexto de palco italiano? E como as crenças nítidas de Ulrica, digo numa simbologia cristã, dentro desse contexto quase enlouquecedor que ela encontra-se poderia manifestar-se nesses personagens fantasmagóricos?

Por fim queria pontuar sobre a questão cômica que surgiu no debate, que algumas vezes isso acaba por acontecer de forma indireta. Analisando de fora o cômico sempre surgiu quando não houve organicidade\ tempo orgânico da cena unido com a exposição da luz sobre os fatos. Quando temos um cenário muito bem ambientando como uma casa, a luz muito clara combinada com os atores não permitindo o clima trágico da cena estabelecer, pode nos chegar como uma quebra abrupta de ritmo, que gera a comicidade.

Em termos de encenação, destaco a direção criativa, que utilizou de forma eficaz os espaços cênicos disponíveis, explorando diferentes planos e perspectivas. A iluminação e os elementos visuais foram usados ​​de maneira inteligente para realçar as nuances emocionais e as transformações dos personagens ao longo da trama.

“Complexo de Electra”, nesse contexto, se destaca como uma montagem provocativa, que estimula debates relevantes e nos convida a refletir sobre os intrincados labirintos da psique humana. O grupo Máschara merece reconhecimento por sua ousadia e compromisso em trazer essa narrativa complexa de forma cativante.

Que o teatro continue a nos surpreender, a nos provocar e nos fazer questionar, como o espetáculo “Complexo de Electra” fez nessa emocionante jornada teatral proporcionada pelo Festival de Teatro de Capão da Canoa.

Elenco:

Kléber Lorenzoni

Alessandra Souza

Renato Casagrande

Fábio Novello

Douglas Maldanner

Raquel Arigony

Gabriel Giacominni

Sonoplastia

Ellen Faccin

Iluminação

Vitória Ramos

Fábio Novello

Contra-regra

Clara Devi

Romeu Waier

Antonia Serquevitio




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